Foi só alguns dias depois de eu publicar o meu último artigo em álbuns que mudaram minha vida, que eu me dei conta que tinha esquecido de botar esse na lista. Talvez não fosse meu intuito avaliar álbuns por inteiro quando eu criei o blog: nunca me julguei crítico o bastante e nem letrado o suficiente pra escrever uma review tão a fundo sobre algo que eu gosto. Se você for ver, até no meu último post eu dou apenas uma pincelada sobre o porquê que alguns discos de lá são tão importantes pra mim. De qualquer forma, o blog tá aí com a intenção de me ajudar a escrever melhor, então decidi abrir esse lado íntimo falando sobre um álbum tão intimista quanto o Untrue.
Parafraseando o que o Vitor Brauer disse em uma de suas sessões de Q&A nos stories do Instagram, a obsessão dele pelo Burial é porque ele é um artista essencialmente puro; tirando o seu nome verdadeiro que foi revelado anos atrás junto com uma simples selfie, Burial não tem redes sociais, não toca ao vivo e nem concede entrevistas. Sua única e simples forma de expressar e se comunicar com seu público vem apenas da sua arte. Numa era em que artistas conseguem ser facilmente acessíveis e expostos publicamente, venho percebendo nosso costume de criar uma forma de relação parasocial por eles e, por consequência, associarmos isso ao quanto valorizamos suas obras.
Até um ponto, eu entendendo. A empatia é comum para todos (menos se você for um sociopata), e fica muito mais fácil se identificar com um artista e sua música ao se dar conta que algum dia também fomos aquela pessoa. Mas o que acontece quando tiramos a figura pessoal do artista de sua arte? Resta apenas nossa própria interpretação sobre o que conseguimos absorver, e é exatamente isso que Burial tira de letra nesse álbum.
Admito que demorei um pouco pra entender o Untrue. E quando eu falo "entender" não é porque existe uma mensagem subjetiva por trás do álbum, acredito que Untrue é literalmente feito para ser sentido. Eu não o senti da primeira vez que ouvi-lo pois me faltava um pouco de vivência. Por mais que todas as faixas sejam feitas a partir de recortes de vocais, samples e melodias frias, Burial consegue invocar sentimentos e memórias que as vezes você nem soubesse que estavam ali. Nada que faça parte do Untrue seria exatamente o tipo de música eletrônica que você ouviria numa balada, pelo contrário, a sensação que o álbum te causa é de estranheza e isolamento. Os vocais sampleados raramente são distinguíveis e sempre muito distantes, como se quisessem te lembrar das noites que você passou fora de casa, voltando de madrugada e comendo em fast-food.
O álbum do começo ao fim parece sempre ser um mistério, uma vaga lembrança de algum momento reflexivo e intimista, quase sempre associado à vida noturna ou a solidão, por vezes até te fazendo sentir falta de algo que você não sabe o que é. E a maior beleza nisso está em sua própria abertura a interpretação; a música não precisa te dizer exatamente o quê, pois ela te dá a liberdade de explorar os seus sentimentos e associá-los com seus próprios momentos de vida. Mesmo que eu frequentemente cutuque estes sentimentos em cada vez que eu ouço o álbum, sempre vai ter espaço pra alguma coisa nova. O álbum com sua própria natureza, sombria e distante, sempre te dá a sensação de nunca concluir ou mostrar exatamente o que ele quer dizer, o que faz retornar pra ouvi-lo, de novo e de novo, sempre uma nova aventura em introspecção.
Ouça:
“'Cause at once upon a time it was you who I adored...
Heart beats faster
'Cause at once upon a time it was you who I adored...”